subo a serra e me deleito com o verde que queria tanto ver, ainda mais exuberante aos meus olhos. a estrada, apesar das mudanças, ainda segue a mesma rota de quando meu pai a construiu, na época em conheceu minha mãe - há 33 anos, pelas minhas contas. ainda é um das duas preferidas, as duas que levam ao mesmo lugar: a memória de criança e das viagens que levavam ao encontro da família inteira, cada vez mais grande naquela época. como a anlene, me surpreendi mais com a memória do que com as pessoas. se é desdém, é desdém com a memória, não com os amigos queridos que também não me vêem diferente em nada. ou quase nada, um quase que com a saudade se faz imperceptível. ou talvez porque a memória outra vez nos ajude a manter vivo e a reconhecer quem gostamos, sem surpreender.
em casa de vó ciduca, um passeio pelo jardim para conhecer as plantas novas e rever antigos cheiros e cores e sabores que brotam e rebrotam a cada estação. bocas de leão multicolores, cravos e rosas debaixo da janela na falta de uma sacada, dálias, alecrins, bergamotas e espinafres, alfaces e capim cidró - ah, capim cidró! -, radiccis, abóboras gigantes, a primavera trepando pelo telhado e a flor de veludo escondida por muitos brincos de princesa. e tem ainda o lagarto, que talvez já seja o neto do primeiro que resolveu dar as caras, os gambás que eram expulsos a cada verão e agora são como gatos que habitam o subsolo e o sotão da casa grande de madeira, os gatinhos pretos que um dia apareceram em ninhada e os passarinhos que fazem seus ninhos em lugares aparentemente inusitados.